Lutero Simango: É preciso "garantir a transparência" do contrato com a TotalEnergies
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Lutero Simango, líder do MDM, Movimento Democrático de Moçambique, na oposição, esteve em Paris nestes últimos dias para participar nomeadamente no Fórum para a Paz organizado pelo executivo francês, com na ementa questões como a protecção do meio ambiente ou ainda o multilateralismo num mundo fragmentado.
Nesta quinta-feira 30 de Outubro, o líder do quarto partido mais votado nas eleições gerais de 2024 em Moçambique esteve nos estúdios da Rádio França Internacional. Lutero Simango abordou com a RFI alguns dos destaques da actualidade do seu país, designadamente a situação em Cabo Delgado e o regresso da TotalEnergies anunciado há uma semana. Ele sublinhou a este respeito a necessidade de se conhecer os termos exactos do contrato existente entre o Estado Moçambicano e o gigante dos hidrocarbonetos. Neste sentido, ele vincou que é preciso "garantir a transparência".
O responsável político evocou igualmente o contexto económico e social um ano depois da crise pós-eleitoral, com dados oficiais a indicarem que cerca de 3 mil pessoas permanecem sem emprego nem compensações depois da vandalização das suas empresas. Um desafio perante o qual Lutero Simango considera que é preciso criar um ambiente de negócios mais atractivo, para impulsionar a economia. "Nós temos que criar um ambiente em que a população tenha acesso ao emprego, que a população tenha acesso aos alimentos e que a população também tenha acesso à dignidade", insistiu.
Antes destes aspectos, o líder do MDM começou por evocar de forma breve o motivo da sua deslocação a Paris.
RFI: Esteve nestes últimos dias aqui em Paris, a participar, designadamente no Fórum para a Paz. Como é que foi este fórum?
Lutero Simango: Foi interessante e esse fórum teve o lema de reinventar a diplomacia em fase de mudanças.
RFI: Relativamente ainda à sua estadia aqui em Paris, manteve também encontros com as autoridades aqui em França.
Lutero Simango: Sim. Tive um encontro no Ministério dos Estrangeiros, nomeadamente no Departamento africano.
RFI: E, portanto, qual é o balanço que faz deste encontro? Alguma novidade?
Lutero Simango: Novidades como tal ainda não existem, mas foi importante de partilhar o nosso pensamento sobre a situação política socioeconómica de Moçambique. E também falámos sobre a situação mundial e do papel que o MDM está a desempenhar no processo do Diálogo nacional inclusivo em Moçambique.
RFI: Antes de evocarmos essa questão, se calhar iríamos fazer um pouco um balanço deste ano que passou. Há precisamente um ano, estávamos em plena crise pós-eleitoral. Um ano depois, qual é o balanço preliminar que se pode fazer?
Lutero Simango: Um balanço? É difícil fazer. Mas o que se pode assegurar é que a situação está calma. Mas essa acalmia não significa que o descontentamento não existe. Ainda persiste. As pessoas estão saturadas e os níveis da pobreza tendem a subir. Como é sabido, já há dez anos atrás os níveis andavam em 40% e ultimamente andam na casa de 60 a 70%. Há duas semanas foi publicado o índice da pobreza e a posição em que se encontra Moçambique não é boa e também não podemos ignorar os níveis de corrupção generalizada que persiste e os níveis de desemprego. Tudo isto cria uma situação difícil para a nossa população.
RFI: Nestes últimos dias foram publicados dados sobre o balanço para a população de Moçambique de todos estes incidentes e nomeadamente, o facto de persistirem 3 mil pessoas sem indemnizações, sem emprego, depois de as suas empresas terem sido destruídas.
Lutero Simango: É isso mesmo. Essa é uma situação dramática. É uma situação difícil que nós vivemos. Para ultrapassar, isso requer políticas de reformas e, acima de tudo, requer que o governo assuma o compromisso de um combate real à corrupção e também crie um ambiente propício para os negócios. Porque neste momento que estou a falar aqui consigo, torna-se muito difícil investir em Moçambique pelos níveis de corrupção, pelos níveis de sequestro e rapto, pelos níveis da criminalidade. No entanto, é preciso que se dê uma volta em relação a tudo isto. Nós precisamos de criar um ambiente de segurança e também criar um ambiente de confiança nas instituições públicas.
RFI: A União Europeia retirou nestes últimos dias Moçambique da sua "lista cinzenta" em termos de criminalidade ligada, por exemplo, com lavagem de capitais. Julga que isto pode ser um bom sinal?
Lutero Simango: Bem, eu também vi a retirada da "zona cinzenta", mas o problema não está por aí, porque nós temos que criar um ambiente em que a população tenha acesso ao emprego, que a população tenha acesso aos alimentos e que a população também tenha acesso à dignidade. Nós sabemos de antemão que em Moçambique muitos trabalham de um dia para se alimentar no dia seguinte. E há níveis de corrupção. E também a nossa economia não está a gerar oportunidades de negócios, muito menos de emprego. E a pergunta se coloca é esta como é que as pessoas estão a sobreviver? Quais são os meios que usam para a sua sobrevivência? Portanto, eu penso o grande desafio que nós temos todos fazer, é trabalhar, é criar um ambiente para que a nossa economia seja, de facto, uma economia vibrante. É a condição necessária de criar oportunidades e emprego aos cidadãos. Quando o índice de desemprego tende a aumentar cada vez mais, cria um maior espaço para o branqueamento do capital. Cria maior espaço para o desemprego. Portanto, eu penso que não basta retirar Moçambique da "zona cinzenta". É preciso criar condições para que a nossa economia possa potenciar as pequenas e médias empresas. Esta é a condição necessária de promover o emprego aos cidadãos.
RFI: Entretanto, o Governo também diz que está a envidar esforços, designadamente com gabinetes exteriores, para tornar a dívida do país mais sustentável. O que é que acha deste anúncio?
Lutero Simango: A dívida, para que ela seja sustentável, mais uma vez, requer que tenha uma economia vibrante. Enquanto o Estado moçambicano continuar a criar empréstimos junto dos bancos comerciais para garantir salários aos funcionários públicos, torna-se muito difícil atingir esse objectivo. Enquanto o Estado moçambicano não conseguir reembolsar o IVA aos empresários a tempo útil, torna-se muito difícil atingir esse objectivo. Portanto, mais uma vez, nós precisamos estabelecer uma estratégia que possa garantir incentivos para as pequenas e médias empresas. E temos que ter uma estratégia que possa garantir uma revisão da política fiscal que não seja uma política fiscal punitiva, mas sim, promova a entrada dos investimentos nacionais e estrangeiros.
RFI: Relativamente à qualidade do diálogo entre o partido no poder e os restantes partidos, como é que estamos neste momento?
Lutero Simango: Até esse momento, o diálogo está no seu curso. Está-se a realizar a auscultação pública e, acima de tudo, esse diálogo vai requerer e vai exigir a todos nós, a vontade política de assumirmos de que temos que fazer as reformas no nosso país. Esta é a condição necessária para devolver a confiança nas instituições à população moçambicana. É a condição necessária de garantir que as liberdades e a democracia sejam respeitadas. E, por isso, o grande desafio que nós temos ao longo deste diálogo nacional inclusivo, é assumirmos de que temos que fazer as reformas, quer na área constitucional, quer no pacote dos assuntos eleitorais e também no sistema judiciário. E acordarmos sobre as grandes políticas públicas na educação, saúde, na exploração dos nossos recursos e na política fiscal, em que o rumo nós queremos que o nosso país possa e deve seguir. Porque nós não podemos pensar só em nós. Temos que começar a montar as bases para que as futuras gerações possam ter um ambiente de dignidade, de felicidade e o bem-estar.
RFI: Tem alguma proposta concreta em termos de reformas?
Lutero Simango: Claro. O meu partido tem propostas concretas e nós sempre debatemos ao longo desses últimos anos, desde a nossa criação, de que nós precisamos ter uma Comissão da República que respeite os princípios e os valores de um Estado de Direito, que respeite os princípios da separação dos poderes, em que nós tenhamos um sistema judiciário com autonomia administrativa e financeira e que os presidentes dos tribunais sejam eleitos entre os seus pares e não na base de uma confiança política. E também nós somos pela revisão da política fiscal. E também defendemos de que é preciso despartidarizar o Estado moçambicano. Nós não podemos continuar a ter um Estado moçambicano que dependa de um partido político. Nós queremos que tenhamos um Estado moçambicano que não esteja sob o controlo de um partido político, porque a democracia é isso. A democracia que nós queremos é que haja, de facto, alternância democrática. E essa alternância democrática tem que ser via as urnas e não por uma imposição. Portanto, o desafio que nós todos temos é que as reformas sejam feitas como a condição necessária de garantir a paz efectiva, a estabilidade, para que se torne Moçambique numa sociedade dialogante, inclusiva e participativa. E pessoalmente, tenho a fé e tenho a confiança que é possível fazer. E se não o fazemos agora, vamos perder a grande oportunidade de resolver os nossos problemas. E se não fizermos as reformas agora, nas próximas eleições corremos o risco de transformar o país num caos e entrar num novo ciclo da violência.
RFI: O governo disse ultimamente que iria fazer um balanço do que sucedeu, que vai fazer um relatório sobre os Direitos Humanos em Moçambique. Julga que isto, de fa




